O veto ao cessar-fogo e o descrédito dos valores ocidentais

(Carmo Afonso, in Público, 10/12/2023)

Ninguém, no seu perfeito juízo, pode acreditar que a continuação destes ataques que matam civis indiscriminadamente representa um caminho para a paz.


A percentagem de civis mortos na Palestina é superior à de qualquer guerra no século XX, segundo um estudo publicado no Haaretz e referido no The Guardian. Esta conclusão não surpreende. Perante as imagens que chegam de Gaza temos dificuldade em vislumbrar que é o Hamas que está a ser combatido. São civis, e sobretudo crianças, que estão a morrer ou a viver em condições miseráveis.

O nosso cuidado com a vida de uma criança é extremo e adequado. Passados mais de 15 anos continuamos a querer saber o que aconteceu a Maddie McCann ou ao Rui Pedro, desaparecido em 1998. Temos instituições com a responsabilidade de assegurar o bem-estar das crianças e a possibilidade legal de as retirar da guarda dos progenitores, se estes não forem capazes de garantir aquilo que todos consideramos um interesse superior: o das crianças.

Morre uma criança a cada dez minutos em Gaza. Antes deste conflito, em 2022, já a organização Save The Children referia que 80% das crianças em Gaza sofriam de stress pós-traumático e que três em cada cinco já tinham pensado em suicidar-se.

Neste momento, são inimagináveis os danos causados às que sobreviverem aos ataques de Israel. Há relatos de pais que levam os filhos para o trabalho para, pelo menos, morrerem juntos.

É neste contexto que os Estados Unidos vetaram o cessar-fogo no Conselho de Segurança da ONU. A resolução previa um cessar-fogo humanitário, a libertação incondicional e imediata de todos os reféns e a garantia de acesso humanitário.

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Vale a pena atender às justificações de Robert Wood para o veto. Antes de mais, condenou os autores do texto por não terem incluído a condenação do ataque terrorista do Hamas. Esta é uma particularidade incompreensível e fascinante. Os ataques mais condenados de todos os tempos ainda não foram suficientemente condenados. A falta da milésima condenação aos ataques de 7 de outubro serve de justificação para ignorar um genocídio que está a ser cometido agora. Considerou também que a resolução era desequilibrada e um divórcio da realidade. Parece que aquilo que os Estados Unidos votaram foi uma determinada redação, ou seja, uma forma e não o conteúdo. E parece que a forma não era perfeita.

Mas Wood também se pronunciou relativamente ao cessar-fogo. Considerou que só serviria para “plantar as sementes para a próxima guerra, já que o Hamas não tem qualquer desejo de uma paz duradoura”.

Por onde começar?

Cada bomba que Israel lança sobre a Palestina é uma semente para a próxima guerra. Cada uma das crianças que sobreviverem estará carregada de revolta e raiva. Ninguém, no seu perfeito juízo, pode acreditar que a continuação destes ataques que matam civis indiscriminadamente representa um caminho para a paz.

Robert Wood não foi sério nas justificações que apresentou. A verdade é que os Estados Unidos sabem que Israel, desta vez, não aceita ser travado de forma alguma. O veto dos Estados Unidos representa a submissão à vontade de Israel e uma derrota da sua diplomacia, que pretendia, de alguma forma, moldar a atuação do Exército israelita. Vimos isso nas palavras de Biden, quando apelou a que Israel não repetisse os erros dos Estados Unidos no pós 11 de setembro e nas várias intervenções de Antony Blinken e John Kirby, que expressamente reconheceu que há muito a fazer para efetivamente proteger civis.

No Conselho de Segurança da ONU venceu a vontade de Israel, como era previsível. Os Estados Unidos decidiram dar apoio diplomático ao genocídio. Fizeram-no isolados. Apenas a abstenção do Reino Unido destoou na unanimidade dos habituais aliados da política externa dos Estados Unidos, entre eles, e bem, Portugal. A par do apoio ao nível das relações internacionais, os Estados Unidos prosseguem com o apoio militar, agora com novo fornecimento de munições, sendo cúmplices integrais daquilo a que assistimos na Palestina.

No mesmo dia em que vetaram o cessar-fogo na Palestina, Antony Blinken fez uma declaração para assinalar a celebração dos 75 anos da Declaração dos Direitos Humanos. Assinalou a missão dos Estados Unidos na defesa desses direitos e denunciou países e casos concretos que não estão a agir bem. Podemos continuar a contar com a vigilância desta verdadeira polícia do mundo.

Claro que Blinken não falou na situação das crianças palestinianas que estão a ser assassinadas. Nunca a falta de coerência dos Estados Unidos esteve tão à vista. O veto vergonhoso e esta falta de coerência à descarada são o descrédito dos valores ocidentais.

A autora é colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico


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5 pensamentos sobre “O veto ao cessar-fogo e o descrédito dos valores ocidentais

  1. É o Hamas o caminho para a Paz?
    … vai demorar um bom bocado destruir Israel ou expatriar a sua população judaica.

    É tão bonito ser pacifista!!!

  2. Pode uma gente que se julga eleita por Deus e que tem o direito às terras e casas dos outros porque Deus assim o disse ser o caminho para a paz? Pode uma gente dessa dar paz a alguém? Pode alguém sentir se seguro com vizinhos desses? Quer uma gente dessas fixar de vez a fronteira da terra que Deus alegadamente lhes deu e viver em paz com os vizinhos? Ou quer uma gente dessas matar os vizinhos todos?
    Para as justificacoes de trastes como os destruidores do Iraque e da Libia, para os que, armaram terroristas na Síria e nazis na Ucrânia estou me eu nas tintas.
    Dizer que vetamos um apelo ao fim do genocídio porque ele não vai parar e comer nos todos por tolos. É como apoiarmos a violência domestica e o assassínio de mulheres porque essas coisas não vão parar.
    Estão a imaginar um deputado votar contra leis de combate à corrupção com a desculpa que os corruptos não vão parar?
    Se os patifes americanos tivessem algum interesse em parar o massacre claro que a vontade homicida do povo eleito não valeria nada.Quem lhes dá as armas
    e quem para lá mandou dois porta aviões para dar aos trastes a certeza de que poderiam matar com todo o sossego foram os Eatados Unidos.
    Se os porta aviões de lá saíssem e a torneira das armas fechasse, já para não falar do monte de alimentos que eles não produzem não era de certeza Deus que íria prover.
    O seu veto foi uma canalhice sem desculpa mas e coerente com tudo o que tem feito para apoiar o estado nazi desde a sua fundação com os nossos bons ofícios e a cumplicidade da União Soviética.
    Estado nazi esse que andava a matar forte e feio na Cisjordânia, onde o Hamas não manda, sem que ninguém se ralasse se muito. Afinal de contas, as vítimas não são louras nem teem olhos azuis. Só em 7 de Outubro é que protestaram. Mas contra quem atacou o estado assassino.
    Depois foram todos em romaria como antes já tinham ido a Kiev, deram todas as justificações e mais algumas, houve quem nos insultasse dizendo que éramos todos israelitas quando aquela soldadesca já tinha morto até a sua própria gente, bombas choviam em Gaza e os dirigentes israelitas invocavam genocídios bíblicos, ameaçavam destruição total e diziam coisas que revelavam psicopatia e uma crueldade digna dos tempos bíblicos.
    Portugal vota agora, e bem, a favor do fim do genocídio mas tivemos de levar com um medonho estantarde num dos nossos mais emblemáticos monumentos, quando o bombardeamento de Gaza já durava há três dias e o nosso mais alto magistrado disse a baboseira que disse. Sem falar na romaria do Cravinho a Israel e do filme que ele viu sobre um ataque à um hospital. Para azar dos aldrabões, a coragem dos jornalistas, umas dezenas dos quais já foram assassinados mostrou que Israel adora destruir hospitais.Para além de tudo quanto é instalações de uso civil, nem igrejas cristãs escaparam. Afinal de contas os cristaos também são infiéis, de uma religião cujo fundados os seus antepassados arranjaram maneira de fazer uma potência ocupante pendurar numa cruz.
    O que faz com que certos trastes não tenham mais remédio que condenar o genocídio nao e porque a vida dos palestinianos lhes interesse para alguma coisa mas porque se não condenarem já não conseguem convencer os seus povos a enterrar mais dinheiro na Ucrânia.
    A maior parte dos cidadãos já deita a Ucrânia pelos olhos e essa é que é a verdade. É se dizemos que apoiamos na Ucrânia uma gente chalada que se afirma descendente dos vikings em nome da defesa dos direitos humanos não podemos continuar a dizer com toda a calma que Israel tem o direito a defender se. Quando até o Papa ja disse com as letras todas que aquilo não é guerra, é terrorismo.
    A bem de continuarmos a mandar armas para a Ucrânia sem ninguem nos dizer o óbvio temos de fazer de conta que nos preocupamos com os palestinianos.
    Já os americanos também se julgam impunes, a nação excepcional e a única indispensavel por isso podem dizer com as letras todas que por eles o genocídio pode e vai continuar. Há muito que perderam a vergonha. Por isso o seu veto é uma canalhice mas de falta de coerência não os podemos acusar.

  3. Não tem nada de confuso, os pro israelitas reduzem os palestinianos ao terrorismo e, acham que o povo eleito tem o direito de os matar a todos. Infelizmente, para os palestinianos, há 75 anos que não há ai confusão nenhuma.
    Para os pro israelitas também não há confusão nenhuma quanto ao que é terrorismo. Quando o sangue palestiniano corre as ondas, quando gente é expulsa das suas casas e terras para lá meter colonos, quando crianças são mortas a caminho da escola, quando os patifes atulham cisternas com cimento isso não é terrorismo. Já uma pedra lançada por um palestiniano é um acto hediondo de terrorismo a merecer firme resposta do povo eleito que tem direito a segurança. É tudo muito claro e simples.
    Segundo o lapso de língua de um primeiro ministro sueco Israel até tem direito ao genocídio. Mais uma vez, tudo claro como o Sol do meio dia.
    Por mim também não há confusão nenhuma, não gosto de nazis tenham a cor que tiverem. Sejam brancos ucranianos ou furta cores israelitas. Muitos israelitas são demasiado descorados para compartilharem com os árabes a raça semita mas nessa confusão não me vou meter.
    Os chocos que há no mar continuam lá a espera dos autoflagelantes que simpatizam com gente que lhes chama gentios. Que se fossemos nos a ter o azar de viver na terra que eles acham que Deus lhes deu faziam nos o mesmo que estão há 75 anos a fazer aos palestinianos, sirios e libaneses.
    Achei graça a atoarda do somos todos israelitas, apesar de me ter sentido insultado. Porque pensei na barrigada de riso dos supremacistas judaicos a pensar “olhem os trastes gentios dizer que são israelitas. Estivessem eles a nossa porta que logo viam como elas mordiam”.
    Mas para os pro Israelitas é o povo eleito que tem um azar dos Tavoras. A terra que lhes foi dada por Deus tinha sempre já lá gente. Há quatro mil anos e no Século XX. A receita a aplicar é que foi sempre a mesma. Extermínio e expulsão dos sobreviventes. Tudo muito claro para o povo eleito.
    Vao ver se o mar dá choco.

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